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ESPAÇO DO CLIENTE

EntreVistas -  Psicólogo Tiago Gouveia



- Mas por quê você insiste em dizer que o amor não existe se os seus personagens sempre estão em busca de amor. Você próprio deve viver em busca disso. É um paradoxo?



- Não. Eu acho o ser humano bem patético e ao mesmo tempo deslumbrante por procurar uma coisa que simplesmente não existe. Então eu brinco de deus, sou bem franco. Pode me chamar do que quiser, mas eu brinco. É a única brincadeira sensata que alguém como eu deve admitir.



- E sobre você procurar isso?



- Eu sou um humano, oras. É claro que eu procuro.



- Mesmo que, segundo você, seja algo que não exista?



- Bom, é preciso ser patético para atravessar a vida. E apesar do meu ponto de vista forte, não sei até que ponto eu tenho razão. Eu nunca disse que tinha. Pode ser que tenhamos razão em procurar. Pode ser que isso seja uma grande bobagem. Pode ser até que se tenha que criar uma boa ilusão de amor pra suportar o peso da solidão. São tantas possibilidades...



- Não seria então, em parte, pelas nossas relações frustradas que nos levariam a acreditar que o amor não exista?



- Ah, nisso você tem razão. Basta uma frustração emocional para você se levar a um estado de pessimismo generalizado.



- Ou então de otimismo generalizado...



- O inverso também cabe, é claro. Mas creio que temos essa estranha inclinação ao negativismo. Creio que isso se deva aos nossos humores feridos. Nosso amor próprio, narcisismo, o que você preferir chamar. O problema não é quando alguém te fere diretamente, é quando ela fere o símbolo.



- O que seria ferir o símbolo?
 

 

- A cama é um símbolo pronto para ser ferido. Veja o rosto de uma mulher sozinha no quarto esperando o marido. As mulheres costumam olhar a cama com nostalgia. Mesmo que seja uma noite de motel, com um estranho. Depois do ato elas olham com melancolia aquele espaço. A gente nunca sabe quantas pessoas vão dormir ali. E eu to falando de um futuro, uma probabilidade. Não queira pensar nas melancolias que podem provocar o passado de uma cama.



- Essa relação do amor com a fidelidade. É uma coisa que preocupa tanta gente. Afinal, existe fidelidade mesmo?



- O problema da fidelidade é que cada um constrói a sua.



- Então podemos falar em uma pluralidade de fidelidades?



- Creio que sim, infelizmente é tão plural que é difícil encontrar um valor tão importante como esse encaixando-se com tanta facilidade naquilo que pra nós é significativo. Veja, a fidelidade é algo singular e a gente tenta se adequar ao que a opinião pública pensa disso. Eu acho que tem pessoas que não nasceram pra fidelidade vitoriana. E essas sofrem com o peso da opinião pública. Deviam assumir, avisar. As pessoas cometem muitas sacanagens com as outras por puro descuido de informação. Isso sim é grave.



- Mas você não pensa que as vezes as pessoas falam coisas porque estão em um estado que podemos chamar de êxtase dos apaixonados?



- É um descuido mesmo assim. É falta de conhecimento de si. É um crime grave. Porque ela vive vinte e quatro horas dentro de si e sabe o que acontece depois do êxtase apaixonado.



- Você acha que o sexo atrapalha o amor?



- As vezes sim, as vezes não. Mais uma vez bato na tecla de que isso é particular, singular. Cada um se encanta com aquilo que lhe convém. Uns priorizam o sexo, outros o amor.



- Mas se a sua teoria estiver correta e o amor não existir, o que sobra é o...



- Sexo!



- E como fazemos? Malhamos e aprendemos o Kama Sutra?



- Uns se viram bem com esses esportes. Mas o importante é que nada disso dura. Uma hora a sua neura escapa, seus estados defeituosos se mostram, sua irritação, seu ciúme doentio, enfim. E outra, sempre tem um mais fraco. Um que não aguenta representar muito tempo, normalmente são os que se prestam a malhar e praticar o Kama Sutra, o que eu chamo de pessoas vaidosas. Não fazem por si, mas pelo outro. O corpo vira um objeto para o outro gostar de mim, o sexo uma habilidade para ser degustada por quem não merece. É ridículo.



- Mas o mundo fica bem pobre para os que tem dons não muito valorizados pela opinião pública.



- Mas tem chinelo pra todo pé.



- Se for sexualmente importante.



- Somos animais, isso nunca vai sumir da gente. Mas creio que ser patético ainda é uma boa saída. O mundo tem gente correta demais, bonita demais.



- E ao que isso levaria?



- Um pateta encontrar com outro.



- E aí seria amor?



- Não o amor da opinião pública. Mas o amor reinventado. Um amor entre patetas. Entre pessoas que transformam os defeitos em qualidades. Que se unem através das discordâncias, das hipóteses, e das coisas em comum também.



- Então você ta querendo dizer...



- Que o amor não existe!



- Mas você acabou de provar que sim!



- Eu acabei de provar que existe uma coisa sem nome que une as pessoas. Enquanto amarmos por necessidade, nunca vai durar.

Mas se alguém se aventurar em reinventar o amor, então sim, o que existe é a coisa sem razão. O estar junto por querer estar. E isso não tem o dever de se justificar.

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